Ter carro é um negócio legal e praticamente todo mundo tem. As facilidades da economia brasileira permitem a todos comprarem o tão sonhado automóvel, nem que seja em 60 vezes. Como diz uma colega de trabalho, é uma verdadeira bíblia de prestações que vai do antigo ao novo testamento e o brasileiro não se incomoda com isso; se for para ter um carro que possa levá-lo onde desejar ir, vale o tamanho e o tempo da dívida.
A realidade é que o brasileiro está tendo a oportunidade de juntar dois desejos: ter carro e ter vida de conforto. Assim, cada vez mais compram carros da classe luxo, que oferecem aquele tanto de opcionais que às vezes o dono nem sabe para que servem, mas ele quer ter um desses da moda. É tipo assim: ter um carro desses que qualquer um há 5 anos respirava só de vê-lo por perto, de tão lindo - digo há 5 anos porque atualmente muita gente tem os carrões caros e muitos até de marcas importadas.
Só que tem gente que exagera nisso tudo, porque, na verdade, o que a pessoa tem é um carro e não uma Ferrari, ou seja, um carro que ninguém mais pode ter. Mas, há pessoas que tratam o carrão importado como se ele fosse um troféu que ninguém mais pode ter igual.
A Patrícia tem um Civic que eu não sei que ano é, mas ele já deve ter uns 3 anos e ela fala desse carro de uma forma diferente. Toda vez que ela precisa fazer uma referência ao automóvel é assim: "porque meu Civic é o carro mais legal"; "porque ontem eu fui ao aeroporto e eu estava de Civic". Eu sempre achei isso engraçado, porque todos que vão se referir aos seus automóveis sempre os chamam simplesmente de carro, ninguém fica falando se é um gol, um fusca, uma carroça, um corsa. Então fiquei pensando que, qualquer dia, quando ela me contar alguma coisa do carro dela como se ela estivesse contando sobre um filho ou como se o carro dela fosse uma Ferrari que eu sonhasse ter, eu daria um jeito de falar do meu carro para ela: "Pois é, menina, e eu ontem fui a padaria no meu corsa hatch 1.4, com 95 cavalos, roda aro 14, ano 2008" e veria a reação dela...
Mas, um dia desses estava na escola indo para minha sala de aula quando a Patrícia me parou no meio do corredor chorando: "Luciane bati meu Civic, eu o bati num carro grande de um homem que vinha de Padre Bernardo". Gente, nessa hora eu não sabia o que fazer, não sabia se perguntava se ela estava bem ou se o carro machucou! Quer dizer: ele nem é gente né?! Mas, daí ela enxugou as lágrimas e continuou: "Não aconteceu nada com o carro do cara, porque ele era altão, mas o meu acabou e eu, graças a Deus, não tive nada". Opa, agora sim, eu começo a entender a história, porque se ela não teve nada, então estava chorando porque o carro tinha acabado e isso estava machucando muito ela. Eu entendia isso porque sempre a via falar do carro como se fala de alguém da família, alguém mais próximo do que os primos de terceiro grau que toda mãe jura que temos e que o código civil não reconhece. Daí, perguntei para ela se o carro tinha seguro porque, se tivesse não tinha com o quê se preocupar, afinal o seguro cobriria todos os gastos e deixaria o famoso Civic inteirinho de novo. Ela, enxugando as lágrimas, me disse: "Sim, o carro tem seguro e meu marido já ligou para acionar; também, o carro só estragou no para-choque eu até saí dirigindo. Enquanto o carro fica na oficina para arrumar eu vou ficar vindo trabalhar no carro velho que tem lá em casa e eu só estou chorando por causa do susto da batida. Ela aconteceu bem na hora que fui passar no quebra-mola, eu freei pouco e acabei batendo no carro que estava a minha frente". Essa era a triste história que cercava a vida do Civic, mas eu não podia ficar ali ouvindo mais, então me despedi e fui para minha sala de aula confusa com a situação toda, são sabia se o problema maior era a batida no carro ou a colega ter que ficar alguns dias sem poder ter a posse do Civic!
Luciane Dias dez/2012