terça-feira, 28 de agosto de 2012

PRÉ- CONCEITO

        Temos visto muitos debates sobre preconceito. É possível achar inúmeros artigos, textos, blogs sobre o assunto e na verdade quase que 100% deles defendendo o fim do preconceito independente de qual seja. Hoje a sociedade tenta combater o mal que ela mesma plantou, e nós a cada dia mais nos declaramos antipreconceituosos até mesmo porque isto dá um certo status e evita que outros nos recriminem. Mas aceitar as desigualdades e colocá-las todas a pé de aceitabilidade é um papel difícil, principalmente porque alguns conceitos não nos foram apenas ensinados, parece muito mais que foram tatuados em cada um de nós e alguns deles com mais tinta, com mais força e em tamanhos maiores, evitando assim que o tempo ou qualquer laser apague. Para extinguir o preconceito, não basta dizer que esta atitude é intolerável no século XXI, fazer palestras, criar leis que proíbam, que incentivem inclusões, participações, com certa franqueza, não sei dizer qual a receita, mas acredito que isto seja um processo lento e que a saída não seja bem tentar impor um novo conceito dizendo que não é porque a pessoa é negra, homossexual, roqueira, se veste desta ou daquela forma, que ela não é do bem, tem problemas ou algo assim. É preciso desconstruir uma idéia que já foi absorvida por nós como verdade suprema algo que nos foi impingido.

        Sinto tudo isto quando me deparo com algumas situações, declaro-me antipreconceituosa e capaz de entender as diferentes escolhas, as diferenças das pessoas e até uma pessoa moderninha; moderninha é igual pessoa que aceita todas as escolhas da vida moderna, mas algumas das minhas atitudes contradizem o que minha boca grita, o que meus lábios proferem e o que meu lápis divulga. A última destas atitudes aconteceu outro dia na Casa de Deus. Fui a uma igreja de romaria e estava sentada esperando a missa começar, quando percebi a dois bancos à frente do que eu estava, um casal com um filho e uma senhora, mas não era qualquer casal. Era um homem de cabelo "moicano", com várias tatuagens pelo braço, vestido de calça jeans, blusa e tênis pretos, que mesmo dentro da igreja mantinha os óculos escuros no rosto e usava brincos e argolas na orelha; a mulher não divergia dessas características, também estava de preto, cabelos curtos, tatuagem nas costas e brinco no nariz; o rapazinho devia ter uns 9 anos e tinha um corte de cabelo diferente e todo espetado, brinquinho na orelha e também vestia uma blusa preta, enquanto a senhora era somente uma senhora em oração. Vendo aquela cena, o preconceito deu um tiro de largada dentro de mim e comecei a construir meu pensamento: "esse tipo de pessoa não assiste missa; o que estariam fazendo ali aquelas pessoas, só se estivessem acompanhando aquela senhora, não era condizente o tipo de pessoa com fé a ponto de fazer parte de qualquer manifestação religiosa e de romaria. Será que estariam ali só porque fizeram algum tipo de promessa? Será que aquela família não fazia parte de outros rituais?" Sei lá quantas perguntas me fiz sobre a presença daquelas pessoas num tempo religioso. No fundo, confesso que eram mais que perguntas, porque algumas delas eu parecia responder e, assim, meu preconceito foi tomando conta de mim a ponto de ficar minutos analisando o comportamento deles e por diversas vezes durante a missa detive minha atenção naquele banco fazendo novas perguntas e reconstruindo meu pré-conceito.

        Não sei se tive um pré conceito ou um preconceito sobre aquelas pessoas. Quero acreditar que tive um pré-conceito, pois eu não os conhecia, não sei do caráter deles, não sei como aquela família se estabelece entre eles mesmos, da fé que os cercam. Entã,o pelo estereotipo, eu criei um conceito antecipado que foi se diluindo durante a missa, quando eu percebi que eles eram fiéis de Deus e que estavam ali por eles mesmos, que participaram da missa muito mais que eu, comungaram, cantaram, fizeram todas as orações, mostraram a religiosidade independentemente da senhora, que agora mais do que nunca era só uma senhora que assistia à missa. No término da missa, achei que os conhecia pelo menos um pouquinho e que não tinha nada contra eles. De repente, adoraria ter pessoas que se vestiam diferente como amigos e com certeza, eles poderiam me ensinar muito mais coisas do que aprendi com eles naquele dia. Sim, porque eles me ensinaram muito mais que as palestras que já vi, os textos que li, e as leis que me obrigam a acabar com o preconceito. Saí da missa muito mais estereotipada como preconceituosa do que eles como pessoas diferentes.

Luciane Dias
jul/2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

CANTIGA DE RODA

       Os direitos de proteção ao meio ambiente e aos animais invadiram todos os setores da sociedade, alguns que a gente nem imagina e se a gente não se atualiza acaba passando por situações vexatórias. Foi o que aconteceu comigo.

       Estava com minha sobrinha de dois anos e meio brincando, quando ela me deu as mãozinhas e começou a dizer algo como 'o gato comeu, miau'. Eu, como uma supertia, identifiquei logo a brincadeira que ela queria, então, de mãos dadas comecei a cantar para ela a música que já existe há milhões de anos: "Atirei o pau no gato tô tô, mas o gato tô tô, não morreu reu reu; dona Chica cá cá, admirou-se se, do berro, do berro que o gato deu, miau !!!"

       Meu sobrinho mais velho ficou por alguns segundos olhando aquela cena quase que embasbacado, cheguei a me sentir meio ridícula; estaria ele achando patética a cena de uma velha brincando de roda no meio da rua? Mas, de supetão, ele saiu do transe e veio correndo na minha direção e dizendo que a música não podia ser daquela forma. Então ele deu as mãos para mim e minha sobrinha e começou a cantar a música: "Não atire o pau no gato (to-to); porque isso (sso-sso); não se faz (faz-faz); o gatinho (nho-nho); é nosso amigo (go); não devemos, não devemos; maltratar os animais; miau!!!" Eu não estava acreditando naquilo e mesmo com a cara no chão pela vergonha pedi para que ele cantasse novamente para eu aprender.

       Gente, como assim? Mudaram a música, mas porque motivo será que fizeram isso?! Isso pode causar frustrações às minhas lembranças de criança e excluir a oportunidade de me enturmar com as crianças da presente geração!!! E agora? Quem protegerá minhas lembranças sem que elas se tornem um crime, quem protegerá o direito de pensar que uma criança é apenas uma criança e não um homicida em potencial, porque ouviu uma cantiga de roda?! Gente estão acabando com a inocência do mundo!!! Estão transformando o que é simples em resultados vindos da cabeça dos adultos!!!

       Mesmo meio indignada, resolvi fazer uma investigação rápida sobre o assunto para descobrir o motivo e constatei que a mudança realmente foi devido a letra da música, que teoricamente, incentivava a violência contra animais. Fiquei pensando que tipo de investigação fizeram para chegar a esta conclusão. Será que perdi a reportagem de algum matador em série que diz que começou carreira atirando o pau no gato, ou mesmo que algum matador de bichos tomou gosto depois que aprendeu na escola esta música e resolveu experimentar na vida real? Isso parece uma piada: atirar o pau no gato não quer dizer que acertou, que machucou o gato ou algo parecido. Mudar a música não diminuirá a violência no mundo, nem mesmo aquela contra os animais. Esta mudança não protege as crianças que são maltratadas a todo instante pelos pais, não diminui os abusos sexuais. Também não obriga o estado a trocar esta música por uma educação de qualidade, em que a criança tenha realmente a oportunidade de ter um bom futuro tanto na vida pessoal como na social, com meio ambiente preservado sem que desmatem todos os espaços verdes para construírem arranha-céus.

      Agora vou ficar esperando o momento em que vão mudar a música "Pai Abraão", dizendo que ela incentiva a procriação desordenada, o excesso de filhos em uma família e que é por isso que os homens de hoje tem filhos com mulheres diferentes. Só não sei se essa explicação parece lógica para este povo que muda a história da infância alheia achando que uma simples música é capaz de afetar o caráter de uma criança em formação.

Luciane Dias