Temos visto muitos debates sobre preconceito. É possível achar inúmeros artigos, textos, blogs sobre o assunto e na verdade quase que 100% deles defendendo o fim do preconceito independente de qual seja. Hoje a sociedade tenta combater o mal que ela mesma plantou, e nós a cada dia mais nos declaramos antipreconceituosos até mesmo porque isto dá um certo status e evita que outros nos recriminem. Mas aceitar as desigualdades e colocá-las todas a pé de aceitabilidade é um papel difícil, principalmente porque alguns conceitos não nos foram apenas ensinados, parece muito mais que foram tatuados em cada um de nós e alguns deles com mais tinta, com mais força e em tamanhos maiores, evitando assim que o tempo ou qualquer laser apague. Para extinguir o preconceito, não basta dizer que esta atitude é intolerável no século XXI, fazer palestras, criar leis que proíbam, que incentivem inclusões, participações, com certa franqueza, não sei dizer qual a receita, mas acredito que isto seja um processo lento e que a saída não seja bem tentar impor um novo conceito dizendo que não é porque a pessoa é negra, homossexual, roqueira, se veste desta ou daquela forma, que ela não é do bem, tem problemas ou algo assim. É preciso desconstruir uma idéia que já foi absorvida por nós como verdade suprema algo que nos foi impingido.
Sinto tudo isto quando me deparo com algumas situações, declaro-me antipreconceituosa e capaz de entender as diferentes escolhas, as diferenças das pessoas e até uma pessoa moderninha; moderninha é igual pessoa que aceita todas as escolhas da vida moderna, mas algumas das minhas atitudes contradizem o que minha boca grita, o que meus lábios proferem e o que meu lápis divulga. A última destas atitudes aconteceu outro dia na Casa de Deus. Fui a uma igreja de romaria e estava sentada esperando a missa começar, quando percebi a dois bancos à frente do que eu estava, um casal com um filho e uma senhora, mas não era qualquer casal. Era um homem de cabelo "moicano", com várias tatuagens pelo braço, vestido de calça jeans, blusa e tênis pretos, que mesmo dentro da igreja mantinha os óculos escuros no rosto e usava brincos e argolas na orelha; a mulher não divergia dessas características, também estava de preto, cabelos curtos, tatuagem nas costas e brinco no nariz; o rapazinho devia ter uns 9 anos e tinha um corte de cabelo diferente e todo espetado, brinquinho na orelha e também vestia uma blusa preta, enquanto a senhora era somente uma senhora em oração. Vendo aquela cena, o preconceito deu um tiro de largada dentro de mim e comecei a construir meu pensamento: "esse tipo de pessoa não assiste missa; o que estariam fazendo ali aquelas pessoas, só se estivessem acompanhando aquela senhora, não era condizente o tipo de pessoa com fé a ponto de fazer parte de qualquer manifestação religiosa e de romaria. Será que estariam ali só porque fizeram algum tipo de promessa? Será que aquela família não fazia parte de outros rituais?" Sei lá quantas perguntas me fiz sobre a presença daquelas pessoas num tempo religioso. No fundo, confesso que eram mais que perguntas, porque algumas delas eu parecia responder e, assim, meu preconceito foi tomando conta de mim a ponto de ficar minutos analisando o comportamento deles e por diversas vezes durante a missa detive minha atenção naquele banco fazendo novas perguntas e reconstruindo meu pré-conceito.
Não sei se tive um pré conceito ou um preconceito sobre aquelas pessoas. Quero acreditar que tive um pré-conceito, pois eu não os conhecia, não sei do caráter deles, não sei como aquela família se estabelece entre eles mesmos, da fé que os cercam. Entã,o pelo estereotipo, eu criei um conceito antecipado que foi se diluindo durante a missa, quando eu percebi que eles eram fiéis de Deus e que estavam ali por eles mesmos, que participaram da missa muito mais que eu, comungaram, cantaram, fizeram todas as orações, mostraram a religiosidade independentemente da senhora, que agora mais do que nunca era só uma senhora que assistia à missa. No término da missa, achei que os conhecia pelo menos um pouquinho e que não tinha nada contra eles. De repente, adoraria ter pessoas que se vestiam diferente como amigos e com certeza, eles poderiam me ensinar muito mais coisas do que aprendi com eles naquele dia. Sim, porque eles me ensinaram muito mais que as palestras que já vi, os textos que li, e as leis que me obrigam a acabar com o preconceito. Saí da missa muito mais estereotipada como preconceituosa do que eles como pessoas diferentes.
Luciane Dias
jul/2012
Não rola de se despir das crenças que nos são entranhadas desde sempre, assim com tanta facilidade... Isso é processo. Temos que tomar consciência para não reproduzi-los, enquanto não os desconstruímos totalmente. Já reparou que se ninguém um dia na sua vida tivesse dito, mas que porra é essa que essa pessoa está vestindo? Ou qualquer que seja a forma que tenha expressado o mesmo espanto. Você jamais julgaria ninguém pela vestimenta? Já reparou que somos "obrigados" a usar o mesmo tipo de roupa, mesmo com as lojas de departamento nos "vendendo" a ideia de que temos o nosso estilo e elas tem todos e que somos livres para escolher que roupa devemos vestir? Somos condicionados, e todo comportamento aprendido exige muito mais que apenas consciência de que é necessário reelabora-lo, exige esforço... E, o padrão é cômodo. Demasiadamente cômodo, assim com permanecer acreditando no que já acreditamos... Preconceito é uma bosta, porque não é nosso. Alguém infiltrou em nós, sem nossa permissão, sem que percebêssemos, somos tolos... Mas, gosto de pensar que somos tolos em processo evolutivo...
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